sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Ecos da fantasia

(15 de abril de 2012)

É em função da fantasia que o palhaço sente aquelas baixas pela tua platéia, tua amável e amorosa platéia. Mas a platéia é tanto o teu amor... Só que a fantasia que carrega, não é, para ele, meramente uma fantasia física, que o deixa louvável à comédia e gabaritado em riso; ele veste também uma outra fantasia, talvez por ter que contracenar consigo mesmo no palco as cenas que, às crianças meladas de açúcar pelo algodão doce, causam absurdas gargalhadas, mas a ele causam alguns conflitos que ele não costuma compartilhar...

A tua vida é esse palco, de exposição integral, inclusive de suas fraquezas. Ser palhaço deve ser ideal para pessoas que odeiam se expor, que se sentem engolidas por multidões ou mesmo que tremem ao ler um qualquer texto para umas cinco pessoas. Isso porque a fantasia tem um poderio tão ímpar, que a ela por ela mesma pode desenvolver a mente contraída, pode expandir a vergonha à maestria.

Brada, pois, o palhaço em seu espetáculo:

A fantasia é uma ferramenta imprescindível à vida e a sobrevivência humana! É na fantasia que o homem encontra refúgio de tuas exposições! Exponha o homem fantasiado, que exporá um homem apto para tal, e muitas vezes até primorosamente performático!

E pula o palhaço entusiasticamente no seio da platéia, que se faz em grunhido apreensivo;

Espectadoras e espectadores, meus amores, podem até me chamar de exagerado! Mas convenhamos, meus queridos, se o mundo é cheio de entranhas delirantes que flertam nossos anelos em todos os sentidos, é em virtude dos exageros e dos exagerados! O que é o amor se não o exagero de coisas, tantas coisas, que eu nem sei direito até hoje o que são? E, dessas coisas que compõe o amor, muitas não são exageradas? E muitas outras não são fantasias? Lembremo-nos também daquelas fantasias exageradas!

E de repente, às piruetas, aos sorrisos e às felicidades volta o palhaço ao palco...

Jamais aponte este teu dedo imundo novamente em meu rosto! Vim para desfazer das tormentas que a rotina alveja minha cabeça, não para um imundo discursar pífias palavras sem sentido!

Grita um senhor profundamente irritado, já na escadaria que sobe para a saída, ao lado esquerdo do palhaço...

O que queres dizer, meu querido? Quer dizer que te afliges pensar? Ou mesmo ousaria pensar? 

Basta, louco! Não quero perder meu tempo com suas bobagens!

Não és tu que reclamas da rotina que lhe mete punhaladas em tua cabeça?

E, novamente, tenta o velho interromper a fala do palhaço, mas sem sucesso:

Nada te importas sobre minha vida!..

Viestes para que? Sabes? Hei de falar, meu amor! Basta! Viestes para fantasiar tua vida e tua cabeça nesta noite! Fantasiar! Tu não sabe nada além de sobreviver nesse maldito circo! Mas o que é isso, querido? Sente-se exposto? Jamais me sentiria exposto por um infame...A fantasia que já criara outrora está se desfazendo? Esta fantasia mesma que lhe metia o cabresto em relação às minhas ponderações neste espetáculo? Escute aqui Oh, caístes tua fantasia? Não era isso que eu dizia, meu amor?

As pessoas que saiam do circo, na oportunidade de ouvirem esta ultima fala, ousaram permanecer ou mesmo retroceder alguns passos a dentro do circo; o velho, por sua parte, ia rapidamente perdendo suas últimas expectativas de contra falar com o até então bobo alegre, que, a propósito, transformar-se-ia agora numa gigante e feroz ameaça à instabilidade emocional de todos senhores que sentiam-se presos no circo, algemados pelos gritos do palhaço:

Voltem, amores! Sou o palhaço, o duque da fantasia, o barão do exagero! A mim sentem-se acolhidos, mais bem tratados! Vos expus à vocês mesmos, se saírem o mundo lhes virá expostos, aliás, vocês se sentiram expostos ao mundo! Não se retraiam, não se limitem, fantasiem-se, sim, mas jamais vos limitando à fantasia! Sejam, sobretudo, exagerados! 
Notava-se agora um clamor que se generalizava em favor do palhaço, que no mesmo instante pulou dos ferros onde se encontrava, aqueles que sustentavam a estrutura da parte interna da entrada do circo.

Uma mulher se jogou em frente ao palhaço, fazendo os dois pararem frente a frente no corredor que dava acesso ao palco. Repentinamente, o palhaço, visivelmente extasiado, retira tua fantasia, porta-se nu e causa um alvoroço generalizado aos presentes. A mulher ignora a surpresa negativa daquela imensa maioria que esperava algo mais do palhaço e, colocando-se a correr puxando-o pelo braço, trepa em algumas argolas suspendidas que serviam para o show dos trapezistas, e grita:

O que foi, admiráveis imbecis! Se sentiram expostos à nudez de um homem? Pobres limitados à fantasia! Da fantasia criam tuas próprias lajes, cárceres, e da fantasia igualmente fogem! Louca! Loucos! Jamais me chame de louco! A propósito, nem a loucura é apta a lhe designar! Não lhe chamei de louco! Eu chamei a nós, eu e o palhaço, de loucos! E, sim, se até a tua loucura é fantasiada pelos preceitos de tuas paranóias, ela jamais poderia nos designar!

O homem, um dos últimos, resolve deixar o circo, chutando alguns sacos de pipoca que estavam no chão da escadaria da saída. E ao último senhor que saía pela porta do circo, num berro, como um último suspiro:

Exagero! Exagero! Gozo dele, por ele! Fantasia! Gozo por ela, dela!

São tão pequenos, meu amor... mas eles me ensinaram, sem eles eu não seria o que penso, então resolvi retribuir aquilo que tanto crescia dentro de mim.
Não, podem ter lhe auxiliado, mas tu ensinastes a tu próprio! Sim, amor, são dignos de dó! Mas compreendamos que, infelizmente, nem todos têm oportunidade, outros nem têm capacidade, de abrirem as grades da prisão, despirem a camisa de força da cabeça;
Compreendo, querida, por isso soamos aos seus ouvidos como ruídos intolerantes;
Certamente. Enquanto houverem fantasias mal feitas, aquelas que extrapolam teus verdadeiros significados, assim como você falou, haverá a bestialidade massificada! Mas não nos portamos como superiores tampouco atribuamos a eles o menosprezo; sofremos as mesmas tentações, o amor nos dói igualmente, a fome nos ataca igualmente, assim como igualmente não sabemos de nada!
Por isso a certeza é uma fantasia!
E por isso é precisa!
Você dilata a minha a visão, querida;
Assim como você também dilata a minha; calemos, palhaço; a fala, de tanto que fora explorada, já está batida por hoje; conheçamo-nos ao silêncio da fantasia!


Mas não ao silêncio também batido; conheçamo-nos ao silêncio exagerado!

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