sexta-feira, 13 de setembro de 2013

ao zé ninguém, com carinho de w. reich

(14 de fevereiro de 2012)

Não entendes porque é assim, porque não pode ser doutra maneira? Eu digo-te, Zé Ninguém, porque eu aprendi a ver-te como o animal rígido que me trazia no seu vazio, na sua impotência, na sua doença mental. Só sabes sorver e apanhar, não sabes criar ou dar, porque a atitude básica do teu corpo é a retenção e o despeito; porque entras em pânico de cada vez que sentes os impulsos primordiais do AMOR e da DÁDIVA. É, por isso que tens medo de dar. A tua permanente avidez só tem um significado: és continuamente forçado a encher-te de dinheiro, de satisfações, de conhecimento, porque te sentes vazio, esfomeado, infeliz, ignorante e temendo a sabedoria. É, por isso que foges da verdade, Zé Ninguém – ela poderia fazer-te amar. Saberias então o que tento, inadequadamente, dizer-te. E isso tu não queres, Zé Ninguém. Só queres que te deixem em paz como consumidor e patriota.

“Ouçam isto! Este tipo nega o patriotismo, a base do Estado e do seu órgão fundamental, a família! Isto não pode ficar assim!”

É assim que gritas “aqui-d'el-rei” quando alguém te denuncia a prisão de ventre mental. Não queres nem ouvir nem saber, queres berrar “vivas”. Mas porque não me deixas dizer-te por que razão és incapaz de alegria? Vejo-te o susto nos olhos - sente-se até que ponto o assunto te afeta profundamente. A “questão religiosa”, por exemplo. Afirmas defender a “tolerância religiosa”; afirmas o teu direito à liberdade em matéria religiosa. Perfeito. Mas queres mais: queres que a tua religião seja a única. És intolerante quanto às outras. Ficas desesperado quando encontras alguém que, em vez de um Deus pessoal, adora a natureza e procura entendê-la. Preferes que os cônjuges em vias de separação se processem judicialmente, se acusem de imoralidade ou de brutalidade quando já não lhes é possível viver juntos. Tu, que és descendente de homens rebeldes, és incapaz de reconhecer o divórcio por mútuo consentimento - porque a tua própria obscenidade te assusta. Queres a verdade num espelho, algures onde não possas chegar-lhe. O teu “chauvinismo” decorre naturalmente da tua rigidez, da tua prisão de ventre mental, Zé Ninguém. E não o digo com sarcasmo, porque te estimo, embora seja teu hábito esmagar os que te estimam e dizem a verdade.

Repara, por exemplo, nos teus patriotas: não andam, marcham. Nem odeiam o inimigo – o que acontece é que têm “inimigos hereditários” que de dez em dez anos passam à categoria de amigos hereditários, e vice-versa. Não cantam – berram hinos marciais. Não fazem amor – “comem-nas” e têm um curriculum de “fudidas”, por noite. Estas são as verdades que tenho para dizer-te, Zé Ninguém, e contra as quais nada tens a opor, exceto o assassínio, o mesmo que perpetraste contra tantos outros homens que te estimavam: Jesus, Rathenau, Karl Liebknecht, Lincoln e muitos outros. Na Alemanha costumavas chamar-lhe “depuração”. A longo prazo foste tu que foste “depurado” aos milhões – mas continuas a ser um patriota.

Desejas amar e ser amado, amas o teu trabalho e é dele que vives, e a base do teu trabalho é o meu conhecimento e o de outros. O amor, o trabalho e o conhecimento não têm pátria, não conhecem fronteiras nem uniformes. São internacionais, são o patrimônio da humanidade. Só que tu preferes o teu patriotismo medíocre porque tens medo do amor genuíno, do trabalho responsável, medo do conhecimento. E por isso exploras o amor, o trabalho e o conhecimento dos outros, mas nunca poderás criar. Por isso usas a tua alegria como um ladrão furtivo, por isso não consegues suportar sem azedume e inveja a felicidade dos outros. ao zé ninguém, com carinho de w. reich

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