segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Carta pública ao Senhor da Mineração

Carta pública destinada
Aos seguintes Senhores da Mineração:

Senhor Dono,
Senhor CEO,
Senhor Presidente,
Senhor Executivo,
Senhor Investidor,
Senhor Dirigente,

No intuito de melhorar
o comunicado de minha carta,
Resumir-vos-ei como "Senhor",
Substantivo que vos enquadra.

---

Senhor Doutor,
Vejo-lhe das bonanças farto,
Adquiridas por meio das
Extrações mais que lucrativas
Dos minérios de nossas terras,
montanhas, paisagens, serras,
Em instalações bem sucedidas
de gigantes e colossais minas,
Sem que se importe com as vidas
que diariamente vos ceifais
(Mas qual o que, tão banais!)
Para o acúmulo de suas cifras;

Vejo-lhe, Senhor Doutor,
Um Senhor Doutor de muito garbo,
sucesso, poder, tradição,
influência, propriedade, articulação,
Bem alinhado, afortunado,
De panos caros, elegantes sapatos,
casacos de couro, relógios de ouro,
Daqueles que nem os menos ricos que você
(Mas ainda muito ricos!)
Poderiam ter;
Vejo-lhe um homem raro,
Senhor Doutor,
Um homem raro de se ver;

Mas sei, e o senhor bem sabe,
e qualquer um sabe,
(até o mais ingênuo sabe),
Senhor Doutor,
Que este teu glamour,
Teu louvor,
Este teu império
De riqueza e horror
Foi construído e é sustentado
às custas do labor
Desenfreado e explorado
De teus pobres empregados,
Que esguelados trabalham
Abrindo minas sem pudor,
Dando-lhe lucros para que valham,
talvez um dia, um por cento 
do que Vale o Senhor;

E por isso, Senhor Doutor,
Já que não tens limites,
Que nós não valemos nada,
Que nossos corpos são descartáveis,
Que nossas serras são devastadas,
Com atento e delicado tato,
Senhor Doutor e Proprietário,
Fazer-me-ei com o teu corpo
O que fazes com a natureza,
O quanto sangra nossa riqueza
Com o tanto que extorque o nosso povo.

Cortarei tua pele na navalha
Em região determinada e demarcada
por estudos & pesquisas
previamente realizadas,
Para que, asseguradamente,
Minhas navalhas afiadas
(afiadas precavidamente!)
Não lhe deixem marcas
ou memoráveis traumas;

Dois.

Atendendo às regas,
legislações ambientais,
rasparei-lhe o osso
com instrumentos não-letais,
orientado por tratados,
convenções internacionais,
Sem me esquecer, é evidente,
das nossas leis estaduais;

Extraindo de seus ossos,
De pouco em pouco, o mel do lucro,
Cuidadosamente, conforme a lei,
Desvendar-lhe-ei, extraindo tudo,
Desde o mais fino corte
Até o mais fundo furo;

Venderei teu osso-bruto
Aos senhores do hemisfério norte,
E importaremos os seus produtos
Fabricados com teu osso-cobre;

Mas se acaso eu estourar
Alguma veia em algum lugar,
Inundando-lhe o corpo
De sangue quente, sangue morto,
Esfriando-lhe as pernas,
Engasgando-lhe a garganta
Com o destempero do desespero,
Garanto-lhe emergencialmente
(apenas isso e tão somente!)
Um juramento de alguns remorsos,
O choro falso dos meus gerentes,
Uma boa equipe de psicólogos,
E um pause (pause!)
com os meus negócios;

E o teu feitiço, a propósito,
Virar-te-á contra ti mesmo;
Te verás em desespero,
Estarás gritando em vão,
Lentamente morrerás
E contarei minha versão:
Um acidente, nada mais;
E assim aceitarão.

Pois assim é que o Senhor,
Senhor das Trevas, Senhor Doutor,
Imputa ao mundo a tua regra;
Em torno dela tudo gira,
Prefeituras, Senadores,
Presidentes, Governadores,
Em serviço da garantia
Do teu circo dos horrores.

Passada a comoção,
Com auxílio do Estado,
da imprensa, televisão,
O esquecimento de sua morte
Se dará em horário nobre;
Teu legado desmanchado,
(teus ossos esgotados!)
Já perdido, sem passado,
Nunca mais será lembrado.


E assim será tratado.



E assim é que há de ser.



E isso não é fábula.







Tal desfecho lhe resguarda a história,
Senhor Doutor de Honra e Glória.