domingo, 1 de dezembro de 2013

é que ela não tem meio termo

Os mortos hoje não têm hoje
o susto, o riso,
o retrato, o canto,
estão num canto,
num algum carregado
lugar, onde carregados
chegaram e hão de ficar
deitados, onde hão de
estar...

os mortos hoje não têm hoje
fome, frio,
apreensão, arrepio,
nome, apenas o nome
cravado num quarto
de quartzo, ou num
fraco corpo que treme
nalguma lembrança
esmaecida...

os mortos hoje não têm hoje
a sujeira, a lembrança,
as cartas, as seringas
e as filas e os suores,
as glândulas frias
de febre, os odores,
o sono e a companhia
para dormir...

os mortos hoje não têm hoje
o hoje, a garganta
o engasgo com a saliva
ou com a saudade,
a saliva e a saudade
propriamente ditas
o sangue quente nas gengivas,
a perna suja de poeira...

os mortos hoje não têm hoje
o próprio hoje
como a própria a vida,
os mortos hoje não têm hoje
nem a morte, nem nenhuma
certeza,
por isso a morte é a maior
tristeza,
por isso a morte é a maior ferida,
a eterna que dói em minha cabeça,
o eterno corte que não cicatriza,
o eterno tudo que não é vida...

os mortos hoje não têm hoje
e nem nunca terão mais

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